sábado, 21 de maio de 2011

Sobre sacolas de feira e coquetéis molotov

Ontem, no café da manhã, ouvi no rádio (sim, amigos, as velhas mídias ainda funcionam) que a cidade de São Paulo proibiu os supermercados de entregarem aos clientes sacolas plásticas descartáveis para a retirada de suas compras. Haverá um prazo de adaptação e os supermercados precisarão encontrar uma alternativa às “sacolinhas”. Várias estão sendo estudadas; por exemplo, as caixas de papelão, sacos de papel, sacolas biodegradáveis de amido e até as antigas e esquecidas sacolas de feira.


Isto me fez lembrar uma historia que um amigo me contou ao café dia destes.


Este meu amigo trabalhava no Cursinho do Grêmio da Filosofia da USP, à época o maior curso preparatório aos vestibulares da capital paulista. E, claro, também funcionava como local de apoio às passeatas e manifestações de estudantes quando do decreto do AI-5 em dezembro de 1968.


Pois bem, meu amigo me conta que era evidente que a repressão iria aumentar, e o Cursinho seria um dos locais visados. O problema é que, na madrugada daquele 13 de dezembro, quando o CRUSP foi invadido, coquetéis molotov foram retirados de lá e deixados na sede do Cursinho, na rua Martinico Prado, em Higienópolis.


Sim, no Conjunto Residencial da USP eram fabricados e estocados coquetéis molotov pelo pessoal da Química, que havia desenvolvido uma mistura que dispensava pavio: a garrafa de vidro, quando se espatifava em algum lugar, explodia. Eles o chamavam carinhosamente de napalm caipira, referência ao homônimo utilizado pelos americanos no Vietnã antes de serem enxotados de lá pelos vietcongs. Pretendiam usá-los nos enfrentamentos com a repressão.



(foto Evandro Teixeira)

A necessidade põe a lebre a caminho, e meu amigo, precisando retirá-los da sede, colocou-os em duas sacolas de feira, dessas antigas de lona, reforçadas, e, a pé, levou-os até a rua Albuquerque Lins, uma das filiais do Cursinho, distante cinco quadras dali.


Vejam a aventura. Saiu da Martinico Prado, caminhou até a av. Angélica, desceu um quarteirão, atravessou a avenida, pegou a Veiga Filho até a Albuquerque, virou à direita e caminhou até seu destino final. Com doze garrafas de vidro, seis em cada sacola, que, se caíssem, explodiriam. Insólito. Coisa pra contar pros netos. A sacola de feira, naqueles tempos turbulentos, ajudou meu amigo, e pode agora ajudar o meio ambiente.


Sou, modestamente, um defensor das causas ambientais. As sacolas plásticas descartáveis poluem o ambiente, entopem bueiros, assoreiam os rios e enfeiam a cidade. Sua proibição foi uma vitória, mas uma vitoria sem graça. Explico.


O movimento ambientalista tem suas raízes nos anos 60, com aquela geração que lutava por liberdade e um modo de vida diferente. Durante aquele período as pessoas, principalmente jovens, no mundo todo, começaram a perceber que a sociedade conservadora estava doente e o consumismo e a indiferença com o próximo eram os sintomas mais evidentes disso.


Não havia pessoas, não havia natureza. Havia apenas coisas para serem produzidas e consumidas. Não importava como, não importava onde, não importava quem, era preciso ter lucro.


Produzir e consumir a qualquer preço levou as cidades a níveis de poluição nunca vistos. A corrida armamentista entre EUA e URSS, na busca pela hegemonia mundial, quase leva o mundo a uma guerra nuclear. A exploração dos países pobres pelos ricos era selvagem (não mudou muito). A cultura de países dominantes foi imposta sobre culturas regionais, que enfraqueceram ou desapareceram. Ditaduras, com apoio dos países ricos, EUA à frente, se instalaram em vários países. Inclusive no Brasil.


Diante desse mundo em convulsão, a década de 60 põe o “bloco na rua”, faz passeatas, canta canções de amor e protesto, faz críticas bem humoradas e ferinas, apanha da policia e resiste, quebra tabus e, como meu amigo, enfrenta a injustiça e terror do Estado das ditaduras civil-militares.


A geração de 60 foi generosa e produziu importantes experiências, que trouxeram ganhos em defesa do multiculturalismo, pacifismo, ambientalismo, feminismo, respeito aos diretos civis (principalmente dos negros, homossexuais e outras minorias) e participação popular. A geração de 60 fez tudo isto porque queria mudar mundo. Eram tempos de mudança.


Hoje, a prefeitura de São Paulo e as grandes redes de supermercado não querem mudar nada. A proibição do uso de sacolinhas está correta, mas o resultado não é significativo do ponto de vista ambiental. Enquanto a Capital não dispuser de um eficiente sistema de coleta seletiva de lixo e um sistema de tratamento de todo o esgoto produzido – para ficar apenas em dois exemplos –, São Paulo agonizará no meio do seu próprio lixo.


O que me dói é pensar que os paulistanos talvez nem queiram mudar. Não percebem que suas vidas estão mais tristes e pequenas no meio de tanto lixo e esgoto.


Talvez demore algum tempo para que paulistanos e todos nós brasileiros compreendamos a importância de uma sociedade autossustentável e fraterna. Se bem que alguma velhinha no supermercado, inesperadamente, pode abrir uma sacola de feira, gritar palavras de ordem e jogar coquetéis molotov de juventude e de mudança nas pessoas.


Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe, faz a hora, não espera acontecer (G. Vandre)


"The answer my friend is blowing in the wind."

(B. Dylan) (a resposta, meu amigo, está no vento.)


"Sejam realistas, exijam o impossível!"

(palavra de ordem nas passetas de Paris em Maio de 68 )



Amaury Rodrigues



Um comentário:

  1. Pois é, caro Amaury. Proponho literariamente o uso da sacolinha plástica, frágil, cheia de coquetel molotov, desse que quando cair explodirá, em nosso tacanho cotidiano.Porque é preciso romper. A maldita mania capitalista, mais a flor da pele em cidades como São Paulo, pôs ao rés do pobre rio podre que exala o perfume da elite escravocrata tudo o que transcenda o interesse financeiro. Uma flor?, temos de plástico. Um corpo, uma natureza, uma vida, um animal? Não, tudo será devidamente destruído do ponto de vista conceitual. É evidente o concreto risco do desmatamento, mas há um outro muito mais profundo e é aí que está o grande desafio. Veja que o capital foi capaz de transformar tudo em commodities. Bem, a liberdade, a fraternidade e a igualdade "ajudaram" a revolução burguesa a colocar o Ancien Régime no único lugar em que é admirável: no museu. Já é hora de novo hóspede chegar. Silvio

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