sábado, 14 de maio de 2011

As chamas no prédio da Filosofia, na Rua Maria Antonia, e as cinzas das utopias.

Depois de falar sobre seu filho de nove anos, um amigo me conta ao café que presenciou parte da batalha entre alunos do Mackenzie e da USP e que acabou resultando no incêndio criminoso do prédio da Filosofia, à época na Rua Maria Antonia.

Em outubro de 1968 ele era aluno da USP e, portanto, fazia papel de “mocinho”, enquanto os alunos do Mackenzie faziam papel o de bandido. Mais tarde ele descobriria que nem todos estavam nos seus papeis corretos, mas isso é outra historia.

Meu amigo me fala das bazucas improvisadas com rojões e tubos de folha de flandres, desses que recolhem água das calhas nos telhados. Fala do destemor do pessoal da USP e a sua desvantagem logística, já que o prédio do Mackenzie está vários metros acima do da Maria Antonia.

Fala dos alunos da Engenharia, dos membros do CCC - Comando de Caça aos Comunistas e de outros grupos radicais de direita que, armados de revólveres e espingardas, atiravam (e até acertaram um rapaz) nos alunos da Filosofia reunidos mais abaixo.

Conta que os alunos do Mackenzie jogavam coquetéis molotov sobre o prédio da Maria Antonia, enquanto a policia, “filha da puta”, assistia a tudo da esquina, mas se “recusava a interferir”.

Uma das garrafas lançadas pelos alunos do makenzie atingiu a parede da Filosofia, esparramando chamas e pessoas para todos os lados. Ali, os ânimos se acirraram.

O incêndio do prédio da Filosofia na Rua Maria Antonia estava a um passo, ou “uma garrafa”.

Muitos conhecem esta historia que acaba com os mocinhos perdendo a guerra, alguns feridos e outros presos. O prédio da Filosofia foi incendiado, permanecendo vazio por muitos anos até a construção do Centro Cultural Maria Antonia.

A batalha da Maria Antonia fez parte de um conjunto de acontecimentos políticos – morte do estudante Edson Luiz, no Restaurante Calabouço, no Rio, que motivou a famosa Passeata dos Cem Mil, por exemplo –, consumado com o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, na Câmara Federal, atacando duramente os militares. E serviu de pano de fundo ou pretexto para a decretação, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI5, verdadeiro golpe dentro do golpe, endurecendo o regime e lançando o Brasil numa ditadura brutal por muitos anos.

Depois do ultimo gole de café meu amigo diz que a Batalha da Maria Antonia, vista de longe, hoje, é uma boa história para se contar aos netos.

Talvez.

Meu amigo me diz tambem, antes de sairmos, que o Maio de 68, na França, foi o último momento de liberdade que vivemos.

Talvez.

Talvez o Prédio da Maria Antonia tenha acabado em cinzas como as utopias de estudantes e trabalhadores dos anos 60 do século passado, depois de guerras sangrentas, globalização dos mercados, empobrecimento de países e culturas, devastação de mares e florestas.

Porém, é possível aceitar que, embora lentamente, esteja ocorrendo uma mudanca nas pessoas e na cultura, o que pode resultar numa sociedade que almeje, como na Revolução Francesa, mais igualdade, liberdade e fraternidade. E, como queriam os velhos anarquistas do século XIX, no fim da propriedade.

A capa de revista que mostra o ataque de coquetéis molotov contra o prédio da FilosofiaUSP, atirados pelos alunos do Mackenzie, registra um momento da História. Meu amigo falando sobre o time de futebol preferido de seu filho de nove anos registra outro.

As utopias fazem parte do humano.

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